sábado, 18 de maio de 2013

Águas Turvas: Um mergulho por intensos sentimentos


“As águas estão mais turvas, os lagos menos calmos e as pedras cada vez mais escorregadias”. A metáfora preconiza a obra “Águas Turvas (Editora Faces, 2012, 274 páginas), de autoria do aclamado jornalista Helder Caldeira, que marca seu ingresso no universo literário da ficção.

Narrado com sensibilidade exímia, o livro apresenta a história de amor entre o médico brasileiro Gabriel Campos e o empresário americano Justin Thompson. A relação entre eles é apenas pano de fundo para se chegar ao cerne dos sentimentos mais profundos que existem nas vidas de cada um. A narrativa se aproxima da jornalística, por ser objetiva e evitar delongas.

A obra não se perde em clichês, costumeiramente utilizados em livros ou filmes de temática homossexual, que apelam para a tragédia, dramalhão previsível e supervalorização dos atos sexuais. A obra de Caldeira segue na contramão do que é comum, ao explorar a singeleza dos sentimentos entre os dois homens e suas realidades.

A ascensão e derrocada da família Thompson em meio à crise que assolou os Estados Unidos em meados de 2009 é narrada com requinte literário moderno. O leitor é imerso nos sentimentos de cada personagem, analogamente retratados em contraponto à descrição das estações do ano da bela cidade de Holden, nas colinas do Condado de Worcester, em Massachussetts. Segredos, traições, patologias, perdas e recomeços são apresentados como seixos rolados que, em meio às águas turvas, confundem o campo de visão, porém, convidam a ser desvendados em sua essência. É uma obra sinestésica, visto que o leitor experimenta cada sensação.

Impossível não criar empatia com o relacionamento de Justin e Gabriel. No entanto, dada a perfeição do casal, leitores mais céticos hão de questionar: “amores como este só são possíveis em obras de ficção”. O respeito e a cumplicidade entre o casal os tornam os personagens mais íntegros da obra, estratégia talvez utilizada pelo autor para romper paradigmas.

A obra surpreende a cada página, sobretudo pelo diferencial de ser embalada por uma trilha sonora escolhida com perfeição, que vai de Pearl Jam a Bee Gees, o que ajuda a personificar a narrativa.

O único clichê, talvez, está no primeiro encontro de Gabriel e Justin, que reproduz a clássica cena dos romances água com açúcar protagonizados por Meg Ryan, no qual um dos protagonistas cai, levanta-se lentamente e se depara com o olhar do outro, sendo esta a condição para aflorar o tal “amor para toda a vida”. Este pequeno aforismo, contudo, não prejudica a maestria da obra.

“Águas Turvas” proporciona ao leitor um mergulho por intensos sentimentos. Uma obra que marcará a história da literatura nacional.