
Narrado com sensibilidade exímia,
o livro apresenta a história de amor entre o médico brasileiro Gabriel Campos e
o empresário americano Justin Thompson. A relação entre eles é apenas pano de
fundo para se chegar ao cerne dos sentimentos mais profundos que existem nas
vidas de cada um. A narrativa se aproxima da jornalística, por ser objetiva e
evitar delongas.
A obra não se perde em clichês,
costumeiramente utilizados em livros ou filmes de temática homossexual, que
apelam para a tragédia, dramalhão previsível e supervalorização dos atos
sexuais. A obra de Caldeira segue na contramão do que é comum, ao explorar a
singeleza dos sentimentos entre os dois homens e suas realidades.
A ascensão e derrocada da família
Thompson em meio à crise que assolou os Estados Unidos em meados de 2009 é
narrada com requinte literário moderno. O leitor é imerso nos sentimentos de
cada personagem, analogamente retratados em contraponto à descrição das estações
do ano da bela cidade de Holden, nas colinas do Condado de Worcester, em
Massachussetts. Segredos, traições, patologias, perdas e recomeços são
apresentados como seixos rolados que, em meio às águas turvas, confundem o
campo de visão, porém, convidam a ser desvendados em sua essência. É uma obra
sinestésica, visto que o leitor experimenta cada sensação.
Impossível não criar empatia com
o relacionamento de Justin e Gabriel. No entanto, dada a perfeição do casal,
leitores mais céticos hão de questionar: “amores como este só são possíveis em
obras de ficção”. O respeito e a cumplicidade entre o casal os tornam os
personagens mais íntegros da obra, estratégia talvez utilizada pelo autor para
romper paradigmas.
A obra surpreende a cada página,
sobretudo pelo diferencial de ser embalada por uma trilha sonora escolhida com
perfeição, que vai de Pearl Jam a Bee Gees, o que ajuda a personificar a
narrativa.
O único clichê, talvez, está no
primeiro encontro de Gabriel e Justin, que reproduz a clássica cena dos romances água com açúcar protagonizados por Meg Ryan, no qual um dos protagonistas cai, levanta-se
lentamente e se depara com o olhar do outro, sendo esta a condição para aflorar
o tal “amor para toda a vida”. Este pequeno aforismo, contudo, não prejudica a
maestria da obra.
“Águas Turvas” proporciona ao
leitor um mergulho por intensos sentimentos. Uma obra que marcará a história
da literatura nacional.