sábado, 8 de janeiro de 2011

Histórias de vida...


Estou de volta!!! E retorno com as histórias provenientes de observações do cotidiano... O fato que segue, resulta de um momento especial.


A velha boneca...


Seu rosto carregava as marcas do tempo, mas seus sentimentos ainda giravam em torno de um sonho de menina. Ela tinha pouco mais de sessenta anos, no entanto, seu desejo era comum ao de meninas de pouca idade. Seu sonho de consumo era possuir uma boneca! Não importava a marca. O que queria era apenas ter a satisfação infantil de segurar no colo um bebê de mentira.

Seu rosto carregava as marcas da opressão. Ela, desde os oito anos, trocara as brincadeiras infantis pelo peso da enxada. Trabalhava com afinco na lavoura com o intuito de contribuir com o pão de cada dia. Enquanto suava, cantava com sua doce voz que conquistava a todos Não sei dizer se ela simpatizava com o ofício. Só sei que o fazia unicamente para escapar dos solavancos dos pais. A mísera renda conquistada diariamente era depositada em sua totalidade nas mãos calejadas de seus progenitores. Aquela pobre menina jamais conhecera os deliciosos sabores da infância. Talvez isso justificasse seu estranho desejo de, na velhice, possuir uma boneca.

Seu rosto carregava as marcas da felicidade. Sim. Clandestina, mas era felicidade. Uma espiritualidade tentadora ornamentava sua delicada tez. Todo o motivo daquela força radiante provinha de sua íntima ligação com Deus. Seus joelhos calejados em frente à imagem de Imaculada Conceição acompanhavam o delicado derretimento das velas compradas na mercearia da esquina. Talvez a luz que emanava daqueles pavios escondia algo mais profundo. A cera derretida talvez fosse resultado de toda a dor que aquela vida lhe proporcionava. Mas preferia irradiar como a luz do pavio, e ignorava a cera derretida.

Seu rosto carregava as marcas de um tempo que passa. E como passa. Casou-se, foi subserviente ao marido, como sempre aprendera a ser. Teve filhos, educou-os da mesma forma rígida como fora criada. Os viu crescer. Teve netos. Educou-os, de forma já não tão rigorosa como outrora, visto que carinho de avó é algo mais doce e grandioso. Viu os netos crescerem, graduarem-se e partirem. Viu seu marido partir para outra dimensão... Chorou. Percebeu que a vida é um ciclo que se repete...

Seu rosto carregava as marcas da sabedoria. Sabedoria com a qual aprendi a ser sábio. Sabedoria que me fez ser quem sou e acreditar na simplicidade da vida. Algo que me fez valorizar a simplicidade de pequenos gestos.

Hoje, a presenteei com uma simples bonequinha desprezada no camelô da esquina. Tão feia e fora de moda a pobrezinha que ninguém a olhava há anos, mas, não sei porquê, seu olhar me cativou. Resolvi dar de presente como forma de gratidão àquela mulher que me ajudou a construir meu Eu. Seu rosto carregou então, novamente, as marcas da felicidade...

2 comentários:

Rômulo Gomes disse...

Belíssimo texto! Maravilhoso... Destaco a parte "Seu rosto carregava as marcas da felicidade. Sim. Clandestina, mas era felicidade" - Adorei muito e me lembrou a Grande Clarice Lispector... Parabéns, Diuân!
ABRAÇO.

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Rômulo Gomes

Rômulo Gomes disse...

Seus textos são sempre ótimos...