segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pedaços de vida em minhas mãos



Meu desejo era agarrar nos braços dela e puxá-la de volta para a vida. Os últimos acontecimentos a fizeram sucumbir num estado de letargia outrora jamais experimentado. Antes dona de si, agora estava completamente derrotada. O motivo: roubaram dela sua essência, suas cores... A sequestraram simbolicamente, o que chega a ser mais abominável do que o sequestro físico. Quando se trata de sequestro da subjetividade, não existe valor que pague o resgate.

Ela e eu somos dois em um só ser. Nossas vidas se misturam a ponto de eu, inexplicavelmente, sentir as dores dela. Ela está em minhas mãos. Sou o responsável por redigir os versos que influem na vida dela. Sou dono dela. Se ela sucumbe neste momento, não existe outro culpado na história a não ser eu mesmo. O sentimento que tenho com relação a ela: pena. A meu ver, se trata de uma figura digna da mais sincera piedade, pois está em minhas mãos. Ao mesmo tempo em que quero tomá-la em meus braços como uma mãe embala um filho, tenho vontade de abandoná-la na escuridão, para depois ter a oportunidade de chacoalhá-la e agredi-la para que acorde para a vida.

Minha criatura sofre por minha causa, mas, não me sinto culpado por ter seu destino em minhas mãos. Para alguns isso pode ressoar como um sentimento sádico de minha parte, porém, minha falta de piedade com relação a esta criatura se deve única e exclusivamente pelas características dela que se assemelham a mim. As fraquezas dela são minhas fraquezas. Isso me causa angústia. Raiva.

A personagem que construí era dona de si. Sensata, perspicaz e inteligente, esbanjava simpatia e brilho por onde quer que passasse. As pessoas se sentiam bem ao estarem a seu lado. Desejavam tê-la como amiga, psicóloga, companheira. Todos tiravam proveito de sua inteligência ímpar e inestimável.

Gradativamente estas virtudes se transformaram na grande desgraça de minha criatura. Seu encanto a impedia de conquistar o amor. Todos a superestimavam como a pessoa perfeita. Tais rótulos foram os motivos de sua solidão. De tão perfeita que era, acreditava que tinha o direito de ser amada. Ela tinha amor para dar. E desejava depositar suas doses de afeto em alguém. Entretanto, jogaram seu amor às traças, que o corroeram.

Minha criatura era tão peculiar que tudo o que sentia, sentia em dobro. Era toda essência, toda sentimento. Se era para ser feliz, ficava feliz em dobro, mas, se a tristeza batesse à sua porta, ela escancarava para que a maldita entrasse e roubasse cada espaço dos cômodos de sua alma. Tola. Pobre tola...

Fraca. Ah, como minha criatura era paradoxal. A criei imponente, mas preferiu dar espaço para que roubassem dela o que tinha de melhor. Suas melhores cores foram levadas embora. Tornou-se inteira preta e branca. Incolor.

Como criador o que me resta fazer? Chacoalhá-la e trazê-la de volta para a vida. Reanimá-la. Apresentar um novo jardim cujas flores estão se abrindo para o sol. E dizer baixinho eu seu ouvido coisas do tipo: “você tem muito a oferecer... Feliz daquele que puder desfrutar de seu amor... O mundo precisa de você...”

Enfim, sou responsável pelo destino desta pobre criatura que desfalece sem brilho. Tolhi seu direito à vida, mas prometo reanimá-la aos poucos. Já tenho as tintas necessárias para devolver suas cores. Grande responsabilidade. Bela dádiva. Sou escritor de vidas...

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