sábado, 16 de abril de 2011

Semana Santa: De como faço memória de um tempo bom que permanece vivo em mim...



Inicia-se a Semana Santa. É o momento no qual fazemos memória da entrega de Jesus em nome de seus irmãos e irmãs. Revivemos e experimentamos, por meio dos cinco sentidos, a maior prova de amor que um simples homem já teve para com a humanidade. Durante as diferentes fases de minha vida, desenvolvi diversos olhares acerca dos acontecimentos que envolvem a semana santa, sempre procurando inseri-los à realidade a minha volta.

Como liturgia é vida e vida é memória, a Semana Santa tem para mim cheiro de nostalgia. Ainda me lembro da época de menino, quando esperançoso, aguardava a chegada desta grande semana. Não compreendia ao certo a importância que tudo isso tinha, mas sentia que se tratava de algo grandiosamente relevante, visto que minha avó e suas amigas não falavam de outra coisa. Cresci cercado de adoráveis “beatas”, que me ensinaram a ter muito carinho às tradições de um povo. Com elas, aprendi a sentir o sabor da simplicidade dos pequenos gestos. Aprendi que tudo na vida é uma grande Liturgia. Começo a fazer memória...

Depois de muito preparo, chega o grande dia. Domingo de Ramos. A capela do bairro toda enfeitada de plantas verdes, levava aquele menino que queria ser padre a viajar em seus próprios pensamentos. Ele não entendia, mas sentia que tudo aquilo remetia a um acontecimento glorioso. Alguém extremamente importante passaria logo mais por ali, no meio daqueles coqueiros verdinhos.

Evangelho. A partir da narração, o garoto começa a pensar no fato de como o grande salvador da humanidade foi glorificado sendo tão simples e humano. Ele foi recebido com esmero pelo povo de Jerusalém, mas sua simplicidade o distinguia dos líderes da atualidade que o menino costumava ver o povo aclamar. Jesus não entrou em Jerusalém dirigindo uma Ferrari de última geração. Pelo contrário. O notável homem passava montado em um velho burrinho, enquanto o povo o aclamava com ramos. Fazer vivência daqueles gestos conduzia o pequeno garoto a um estado de catártica admiração.

Início da semana, muitos terços na casa da avó. Era a vigília que precedia a quinta-feira Santa. As simpáticas “beatas” reuniam-se em torno a uma imagem da cruz e entoavam o tradicional terço. O garoto nunca entendeu ao certo o motivo de tantas repetições. Não entendia, mas sentia. Sentia que tudo aquilo tinha uma rica razão de ser para as mulheres que ali estavam. Após a reza do terço, a vida era celebrada, acompanhada de chazinhos e bolachas...

Eis que chega a quinta-feira Santa. No folheto da missa a inscrição: “Missa da Ceia do Senhor”. Por ceia, o garoto compreendia banquete, alimentos... O gesto de se sentar à mesa e se alimentar... Ele não sabia, mas sentia. Sentia que o momento de cear com a família era a hora de partilhar vivências. Ali, na mesa, as pessoas se alimentavam umas das outras. Em um belo ritual antropofágico, as experiências de vida eram partilhadas.

O mesmo aconteceria naquela noite. Um clima especial pairava sobre a capela. As pessoas muito alegres se cumprimentavam calorosamente com abraços e apertos de mão. A celebração começa. No decorrer dela, um gesto de profunda simplicidade fazia aquele menino compreender a essência da vida. O gesto era feito pelo padre que, repetindo o que Jesus fez em sua derradeira ceia, lavou os pés de cada discípulo seu... O sonhador menino não compreendia ao certo, mas sentia. Sentia que na realidade vigente, o mundo seria melhor se as pessoas se dispusessem a lavar os pés umas das outras, ajudando-se mutuamente, acolhendo umas as outras, sem distinção, sem segregação...



Após o ritual, já no finalzinho da celebração, o clima muda completamente. A alegria branca que pairava no ar dá lugar a um ambiente roxo e triste. Chegava o momento. O grande momento no qual a igreja se veria órfã. As velas se apagavam... As toalhas eram retiradas do altar... Os refletores dos Santos apagados... Silêncio. Todos se retiravam em um silêncio ensurdecedor. O menino sentia... Sentia que aquele seria o momento ideal para refletir sobre a vida. Aquela era a hora de dialogar consigo mesmo, diante daquele que se entregou em prol da humanidade.

Sexta-feira Santa era silêncio total. Ninguém fazia absolutamente nada além de rezar, rezar e rezar. Não seria para menos, acreditava, pois, o menino, já que o povo estava fazendo memória da morte de Jesus Cristo (que o menino chamava de Papai do Céu). Naquele dia, o almoço em família era diferente. Sem muitos alardes e conversas, saboreavam o bacalhau da sexta-feira santa... Seguido deste ritual, todos se dirigiam à capela... O menino sentia que algo iria acontecer... Um misto de dor e esperança estava presente... Uma ausência cheia de presença era celebrada...



Sábado Santo. As cores estavam diferentes. O clima de dor deu lugar à esperança! Ele não entendia, mas sentia... Sentia que naquela noite, alguma coisa importante aconteceria na igreja, que já estava sendo preparada para a missa da noite. Muitas flores e perfumes davam um toque especial...

À noite a celebração. O menino não sabia o porquê, mas sentia que a felicidade das pessoas era motivada pela superação da dor do dia anterior. As mulheres comentavam que Cristo havia ressuscitado! Naquela bela noite, muitas luzes, muitas cores, muita esperança... Era a memória da grande vitória: a vitória da vida sobre a morte! Portanto, não seria para menos a beleza daquela demorada missa. Tudo foi preparado com muito empenho e carinho, o que fazia o menino sentir... Ele sentia... Sentia... Sentia... E continuou sentindo até os dias de hoje...

Hoje este menino cresceu e passou a compreender...Desenvolveu ideias e buscou conhecer a fundo aquilo que a simplicidade das beatas do bem o fez amar. Hoje ele compreende que a vida é uma grande memória e que devemos ter orgulho de nossas tradições. Compreende que tudo na vida é rito que deve ser vivido e experimentado... Compreende que Liturgia é a Liturgia da vida... E que tudo se relaciona mutuamente como em um grande concerto musical... Sintonia...

2 comentários:

Lucas Rinaldini disse...

É isso aí, Diuân. Daí a importância de preparar uma liturgia rica em símbolos. Nem tudo se precisa entender e se liturgia é vida, então devemos vivê-la em todos os sentidos. É um belo texto, nos faz relfetir muito e lembrar da infância. Parabéns.

suavidade disse...

Que texto bacan hein... gostei... gostei...
Me fez refletir que a um tempo atrás esse tempo liturgico era bem mais vivido...
Com o tempo algumas coisas vão deixando de existir dentro da gente neh...